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domingo, 23 de agosto de 2009

Amor (diferente de) Amor


Dou por mim levando a cabo duas experiências que, mesmo sem intenção, e desligadas uma da outra, acabam por dialogar. Durante uma semana fui lendo
As Amantes, de Elfriede Jelinek, nas viagens de metro. E num desses dias à noite pus a tocar uns CDs da Céline Dion guardados há anos na gaveta (que tem um fundo de vergonha). Demorou pouco até me ocorrer que os textos panfletários da escritora austríaca são outra face da moeda partilhada com as canções da diva canadiana.

Mulheres ávidas da segurança de um bom casamento, mulheres apaixonadas por homens brutais que perseguem amorosamente, porque acreditam poder amansá-los. Mulheres sem referências que não as masculinas, sem vontade que não a do homem, sem vida própria além dos filhos e dos casamentos. Mulheres que assim não podem amar, que chamam amor ao medo e à subserviência, que se esgotam no marido e nos filhos que secretamente odeiam. Mulheres exemplares. Que servem de exemplo. Mulheres fiéis e persistentes que são recompensadas. Mulheres que perdem o tino, que se oferecem a outros, que desistem do amor, e que acabam abandonadas.

Com as histórias de Paula e Brigitte, Elfriede Jelinek demarca as possibilidades de vida das mulheres austríacas nos anos 70. As perspectivas de miséria, maus tratos paternos e trabalho duro faziam com que qualquer rapariga encontrasse na ideia do amor um refúgio, na figura do homem um herói, no casamento uma aventura feliz. Com a concretização deste ideal, chegam também, no caso de Paula, os horrores de uma gravidez indesejada, os abusos e insultos com que toda a aldeia a brinda, a apatia e crueldade do marido. O casamento é o camisa de forças de que não sai, mas dentro da qual, ao menos, será respeitada, até que homens estranhos lha arrancam, e o adultério a condena de imediato à prostituição.

Brigitte calcula melhor a sua jogada, ao apostar num homem com negócio próprio. É-lhe fiel durante o namoro, atura-lhe os apetites por sexo e comida, instiga-o a fazer-lhe um filho e, mesmo que deseje limpar a retrete com a cabeça dele de cada vez que ele lhe toca, é feliz. Domou o homem. Alcandorou-se a ele de modo a conseguir a liberdade - a reclusão no lar parece-lhe doce, comparada com a reclusão na fábrica de costura onde, sem aquele casamento, poderia ficar toda a vida.

Pela pintura de semelhantes frescos, muitos consideram obscena, grotesca ou descabida a obra da vencedora do Nobel da Literatura em 2004. Vistas à lupa da escritora, as relações entre homens e mulheres são uma espiral de violência que termina nos filhos, até que estes crescem e perpetuam, por sua vez, o mesmo modelo escravizante de amor e sexualidade. É difícil acreditar que assim seja. Que aquilo que nos apresentam como amor possa ter uma arrecadação tão escura como a que Jelinek momentaneamente ilumina, para nosso horror. E para maquilhar e perfumar o feio amor, há cantores como Céline Dion, que colocam ao serviço do idílio uma voz capaz de encantar milhões de pessoas em todo o mundo. 

Céline Dion, exemplo acabado e universal da cantora romântica, pode dizer-se, é uma resistente. Vinda de um velho mundo em que tudo estava definido entre homens e mulheres, a diva dói-se de que as coisas tenham mudado, dói-se da inconstância dos afectos humanos (Pour que tu m'aimes encore). Enfeitiçada pelos homens da grande cidade, mas com a pedra dos ensinamentos maternos no sapato, a mulher que estas canções encarnam tenta contrariar as actuais tendências, seduzindo o amante, negociando, na esperança de que ele, afinal, acredite ainda no amor eterno e estável (Make you happy). Nos seus álbuns, há pouco lugar para a promiscuidade, e quando ela aparece é para que lhe vejamos as nefastas consequências (All by my self).

Há principalmente, por estas bandas, a aceitação da dependência emocional, a rejeição da autonomia, o medo da solidão, a assunção de que apenas no amor se pode ser feliz. Todas as cantoras românticas o fazem, ainda que as letras sirvam de pretexto para alguma coisa que a voz tem de moldar, e pareçam inofensivas. Músicos e intérpretes de todos os estilos o fazem. É impossível dissociar o amor do amor à música pop. E é a certeza com que todos crescemos, de que há um romance perfeito à nossa espera, para enquadrar a nossa vida, e de que é preciso chorar muito por aquele que se perde, porque é um milagre que não soubemos perpeturar por mais do que um tempo determinado. O que Jelinek diz nos seus livros é aquilo de que, em adultos, começamos a suspeitar - o amor tem os seus contornos menos nítidos, guarda lugar para o ressentimento, para o ódio, para a desconfiança, para a dependência, para o calculismo, para a (auto)destruição. Principalmente se chegamos até ele com a fome que as canções cultivaram em nós desde crianças.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Lendo a Zambézia: Processos de Hibridação em ‘O Alegre Canto da Perdiz’

Recensão: Paulina Chiziane, O Alegre Canto da Perdiz, Lisboa, Caminho, 2008, 342 páginas

por Ana Luísa Teixeira

O Alegre Canto da Perdiz, último romance de Paulina Chiziane publicado em Portugal em 2008, reafirma a centralidade da escritora na consolidação de uma voz feminina autoral, em Moçambique.

Sem nos determos no debate sobre a existência, ou não, de uma escrita feminina que relaciona conteúdos temáticos e formatos estilísticos à identidade de género da voz autoral, constatamos uma vez mais que a narrativa de Chiziane continua a materializar a condição da mulher moçambicana, contextualizando-a social e culturalmente.

Desde o seu primeiro romance, Balada de Amor ao Vento (com uma primeira edição de autor em 1991, e publicado em Portugal em 2003), que Chiziane tem vindo a construir universos femininos desenhados em constantes fusões entre tradição e modernidade, que proporcionam um encontro criativo entre ficção, realidades históricas e conceptualizações antropológicas: a guerra civil, em Ventos do Apocalipse (1999), a emergência de uma lógica neo-colonial em O Sétimo Juramento (2000), a reinvenção idiossincrática em Niketeche, Uma História de Poligamia (2002).

Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB para Julieta Monginho


A autora de A Terceira Mãe, editado pela Campo das Letras, venceu o Grande Prémio de Romance e Novela APE/Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas. Julieta Monginho receberá, por este prémio, a quantia de 15.000 euros.
O júri desta edição foi presidido por José Correia Tavares e contou com as apreciações de Ana Marques Gastão, Annabela Rita, Armando Silva Carvalho, Cristina Robalo Cordeiro e Fernando Pinto do Amaral.